quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A Dança de São Gonçalo


Realizada em Portugal desde o século 13, chegou ao Brasil no início do século
18, com os fiéis do santo de Amarante. Era antigamente realizada no interior das igrejas de São Gonçalo, festejada em 10 de janeiro, data de sua morte em 1259. Segundo Saléte Grando, a Dança de São Gonçalo foi trazida pelos portugueses para a região na época do Brasil Colônia, quando começou a colonização de Mato Grosso.


Na cidade do Porto, em Portugal, nas ocasiões de comemoração a São Gonçalo o
festejo era chamado de Festa das Regateiras, pois participavam as mulheres que
queriam se casar. A dança era realizada dentro da igreja, o que nos remete à Idade Média e Moderna em Portugal.
São Gonçalo é um santo português com culto permitido pelo papa Júlio III, em
24 de abril de 1551. Nascido em Tagilde, em 1187, estudou rudimentos com um devoto sacerdote. Depois, freqüentou a escola arqui-episcopal em Braga. Após ordenado sacerdote, foi nomeado pároco de São Paio de Vizela foi a Roma e Jerusalém.

No regresso, São Gonçalo passou por um período de busca interior e encontrou
na experiência popular a maneira de converter pecadores. Conta-se que São Gonçalo
para reabilitar as prostitutas, vestia-se de mulher e dançava e cantava com elas a noite toda. Ele entendia que as mulheres que participassem dessas danças aos sábados não cairiam em tentação no domingo. Acreditava ainda, que com o tempo se converteriam e se casariam. São Gonçalo pregou e operou supostos milagres por todo o norte de Portugal. Sobre o rio Tâmega construiu uma ponte. São Gonçalo morreu no dia 10 de janeiro de 1259 em Amarante, no Douro, à margem direita do rio Tâmega, em Portugal.
Após sua morte, passou a ser protetor dos violeiros, remédio contra as enchentes,
além de casamenteiro. Ele foi canonizado em 1561. O rei de Portugal D. João III, um
grande devoto, foi um dos primeiros a empenhar-se para a beatificação de São Gonçalo em Roma. Em Portugal a sua festa é realizada em Amarante, no dia 7 de junho e dedicam-lhe uma semana de festejos, com procissões, bandas de música, folguedos populares e outros.

Em algumas locais o santo (imagem) é representado da forma Católica, ou seja
com a ausência da viola, no entanto as imagens do santo destinadas para o culto popular através da Dança de São Gonçalo é representada, na maioria das vezes de duas maneiras:
1. São Gonçalo do Amará (Amarante): É representado à moda das vestimentas
camponesa portuguesa da época, ou seja: calção preso pouco abaixo do joelho, meia
preta, bota braguesa (para andar em local úmido) chapéu na cabeça,capa azul nas costas e viola na mão. A justificativa encontrada para a representação do Santo com estas vestes, deve-se ao período que estava em construção uma ponte na região onde viveu, ele ajudava na construção e após ia tocar viola para a conversão dos “pecadores”, e não tinha tempo de trocar de roupa.
2. São Gonçalo Padre: É representado de batina,crucifixo no pescoço, chapéu de
padre, sapatos(que não eram sapatos comuns, pois tinham pregos que furavam seus pés e servia de penitência durante a celebração de sua missa,onde cantava, tocava e
dançava) e viola.
As Imagens de São Gonçalo, em sua grande maioria, apresentam fisionomia de alegria, que segundo o povo era a marca registrada de São Gonçalo. A dança de São Gonçalo pode ser encontrada em quase todo o Brasil, com variações coreográficas
bastantes diversificadas, tomando diferentes formas de execução. O primeiro registro de uma festa de São Gonçalo na Bahia foi feito em 1718, na cidade de Salvador, pelo viajante francês Gentil de La Barbinais. A festa aconteceu na antiga igreja de São Gonçalo, no atual bairro da Federação, e reuniu o então Vice-Rei Marquês de Angeja, padres, fidalgos, mulheres e escravos que dançavam com muita intensidade.
A dança hoje é organizada em pagamento de promessa devida a São Gonçalo. O
promesseiro é quem organiza a função, administrando todo o processo necessário à
realização deste ritual. É realizada dentro de casa ou em local coberto, onde se arma um altar com a imagem deste santo e outros de devoção do promesseiro. Em frente a este altar é que se desenvolve toda a dança.
Os dançarinos se organizam em duas fileiras, uma de homens e outra de
mulheres, voltadas para o altar. Cada fileira é encabeçada por dois violeiros, mestre e
contramestre, que dirigem todo o rito.
A dança é dividida em partes chamadas “volta”, cujo número varia entre 5, 7, 9 e
21. Entre cada “volta” há interrupção e todos aproveitam para se servir das iguarias
oferecidas pelo promesseiro.
As “voltas” são desenvolvidas com os violeiros cantando, a duas vozes, loas a
São Gonçalo, enquanto dançarinos, sapateando na fileira em ritmo sincopado, dirigemse em dupla até o altar, beijam o santo, fazem genuflexão e saem sem dar as costas para o altar, ocupando os últimos lugares de suas fileiras. Cada volta pode durar de 40 minutos a duas ou três horas, dependendo do número de dançadores. Na última “volta”, em São Paulo chamada “Cajuru”, forma-se uma roda onde o promesseiro a dança carregando imagem do santo, retirada do altar. Se houver mais de um pagador de promessa e mais de uma imagem, todos os promesseiros carregam simultaneamente as imagens. No caso de haver apenas uma imagem para vários promesseiros, o santo vai passando de mão em mão, enquanto os demais dançarinos agitam lenços brancos.
No Paraná, as “voltas” recebem nomes especiais, como “despontam”, “marcapasso”,
“parafuso”, “confissão” e “casamento”. Em Minas Gerais é considerada dança
de votos de solteironas que desejam se casar. A dança é desenvolvida por dez ou doze pares de moças, todas vestidas de branco, cada uma delas levando um grande arco de arame recoberto de papel de seda branco franjado. O movimento das rodas é ordenado pelo “marcante”, única figura masculina presente. Acompanhada pela música executa em viola, sanfona e caixa, a coreografia consta de evoluções com os arcos.
Em Alagoas, a dança incorpora elementos litúrgicos e as moças vestem-se
inteiramente de branco. Formam duas colunas com seis pares que dançam
acompanhadas pelos tocadores. Em Pernambuco, as moças vestem-se com saias azuis e blusas brancas. Na Bahia a indumentária é livre.
Em Sergipe, a tradição tem a referência do padre português que introduziu a
dança como pretexto para atrair os infiéis à igreja, catequizando-os e incutindo-lhes a
prática do casamento. O grupo é conduzido por um “mestre” tocador de viola, um
“contra-mestre” que toca a “meia-cuia” e dois guias. A dança é executada em nove
rodas, divididas em treze partes apresentando coreografias diferenciadas. A
indumentária é livre. As danças ou rodas de São Gonçalo podem ser encontradas ainda hoje nos seguintes estados Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão, Piauí, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo.
Em Mato Grosso, a dança volta-se para comemorar e homenagear o santo e não
somente para pagamento de promessas ou para moças solteiras.

Arraial de São Gonçalo Beira Rio

Entre os  arraiais pioneiros de Cuiabá destaca-se a comunidade São Gonçalo Beira Rio, fundada no século XVIII, localizada à margem esquerda do rio Cuiabá, a 11 quilômetros do centro principal da cidade, próxima à barra do rio Coxipó, no Distrito de Coxipó da Ponte. Sua população é de aproximadamente trezentos moradores, distribuídos em setenta famílias com algum grau de parentesco.



A história urbana de Mato Grosso tem seu início em 1719, com a bandeira de Pascoal Moreira Cabral que, à procura de índios destinados ao cativeiro, acabou encontrando ouro no rio Coxipó, onde fundou o Arraial da Forquilha, no atual distrito de Coxipó do Ouro. Para assegurar o direito de posse da área, foi lavrada uma ata de fundação, no dia oito de abril do mesmo ano, na localidade denominada São Gonçalo Velho, atualmente São Gonçalo Beira Rio.

 Neste período, São Gonçalo detinha o porto que permitia a comunicação entre as minas e a Capitania. Nesta comunidade, próxima à barra do rio Coxipó, foi erigida uma capela dedicada a São Gonçalo. Em 1722, a descoberta das lavras do Sutil, no córrego da Prainha, abaixo do outeiro onde se situa a igreja do Rosário, atraiu a população de Forquilha. Com a mudança dos rumos da cidade em direção à Prainha, mudou também o local do porto, que foi transferido para o atual bairro do Porto, onde ergueram
uma nova capela de São Gonçalo em 1781.

A presença dos índios Coxiponé fi cou refl etida nos traços dos moradores de São Gonçalo, nas rimas e músicas, na cerâmica, na pesca, no uso de plantas medicinais, na canoa feita de um tronco de árvore, na benzedeira, nas danças, dentre outros aspectos culturais que são mantidos até os dias atuais.
Em 1914, foi montada nas proximidades do povoado, na margem direita do rio Cuiabá, a Usina de São Gonçalo, com produção de açúcar e álcool, que foi responsável pelo crescimento do pequeno núcleo onde os lavradores plantavam canaviais, cujo produto vendiam aos usineiros para o consumo nos engenhos.
A decadência da produção açucareira de Mato Grosso na década de 1930, aliada à argila abundante
acumulada nas margens do rio Cuiabá e nas várzeas,
propiciou ao artesanato de cerâmica tornar-se o meio de vida de grande parte da comunidade. A cerâmica
é feita principalmente pelas mulheres. Os homens preparam o barro, ajudam a dar o acabamento, enfornam
e queimam as peças. As crianças fazem peças pequenas, que aprendem no convívio familiar.

As principais peças produzidas eram as moringas, potes, talhas, vasos e panelas. A partir da década de 1960, além da cerâmica utilitária, os artesãos passam a produzir peças ornamentais como fi guras de aves e
animais, damas, santos, presépios, banda de músicos, moringas-bonecas, talhas e vasos ornamentados.
Segundo a historiadora Therezinha Arruda, que realizou estudos na comunidade na década de 1970, “se as formas se modificam ou surgem outras em função de novos hábitos do consumidor, a tradição artesanal permanece intacta” (Arruda e Romancini, 1994:30).
Essas mudanças ocorreram face ao avanço da sociedade de consumo que infl uenciou os hábitos da população cuiabana. No fi nal da década de 1960, a comunidade foi incorporada à área urbana de Cuiabá, quando os técnicos da prefeitura promoveram a alteração de sua denominação de São Gonçalo Velho para bairro São Gonçalo Beira Rio. Neste período, diversas chácaras em torno de São Gonçalo foram loteadas, dando origem a novos bairros. Ressalta-se que a cidade de Cuiabá, no início da década de 1970, apresentava cerca de noventa mil habitantes. Em conseqüência da política de integração da Amazônia à economia nacional, empreendida pelos governos militares, Cuiabá recebeu intenso fl uxo migratório, que promoveu intensas mudanças sócio-espaciais, elevando sua população a aproximadamente quinhentos mil habitantes nos dias atuais.
Segundo Romancini (1994), no contexto dessas infl uências, a comunidade São Gonçalo Beira Rio destacou-se pela manutenção de suas atividades culturais como, por exemplo, a cerâmica artesanal e os instrumentos musicais: viola de cocho, tamborim ou mocho e o ganzá, que acompanham as danças do siriri, caracteriza o período da mineração em Mato Grosso e da infl uência paraguaia e boliviana nesta região (Diegues Júnior, Rosendahl e Corrêa, 2000).
Ao final da década de 1990, verifi ca-se uma preocupação, por parte do poder público e da sociedade civil, de revalorizar o patrimônio cultural construído em tempos passados, conforme análise realizada por Abreu (1998:7), “o passado é uma das dimensões mais importantes da singularidade. Materializado na paisagem, preservado em ‘instituições de memória’, ou ainda vivo na cultura e no cotidiano dos lugares(...)”.
O autor afirma que, na busca da “memória urbana” no Brasil, o passado está sendo revalorizado.
Como exemplo dessa preocupação, pode-se citar o tombamento municipal, em dezembro de 1992, que declarou o bairro de São Gonçalo área prioritária para o estímulo à produção e à comercialização da cerâmica artesanal, como uma das mais antigas e tradicionais manifestações culturais do município de Cuiabá, e a festa de São Gonçalo como manifestação popular de interesse para o patrimônio cultural do município de Cuiabá.