quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Arraial de São Gonçalo Beira Rio

Entre os  arraiais pioneiros de Cuiabá destaca-se a comunidade São Gonçalo Beira Rio, fundada no século XVIII, localizada à margem esquerda do rio Cuiabá, a 11 quilômetros do centro principal da cidade, próxima à barra do rio Coxipó, no Distrito de Coxipó da Ponte. Sua população é de aproximadamente trezentos moradores, distribuídos em setenta famílias com algum grau de parentesco.



A história urbana de Mato Grosso tem seu início em 1719, com a bandeira de Pascoal Moreira Cabral que, à procura de índios destinados ao cativeiro, acabou encontrando ouro no rio Coxipó, onde fundou o Arraial da Forquilha, no atual distrito de Coxipó do Ouro. Para assegurar o direito de posse da área, foi lavrada uma ata de fundação, no dia oito de abril do mesmo ano, na localidade denominada São Gonçalo Velho, atualmente São Gonçalo Beira Rio.

 Neste período, São Gonçalo detinha o porto que permitia a comunicação entre as minas e a Capitania. Nesta comunidade, próxima à barra do rio Coxipó, foi erigida uma capela dedicada a São Gonçalo. Em 1722, a descoberta das lavras do Sutil, no córrego da Prainha, abaixo do outeiro onde se situa a igreja do Rosário, atraiu a população de Forquilha. Com a mudança dos rumos da cidade em direção à Prainha, mudou também o local do porto, que foi transferido para o atual bairro do Porto, onde ergueram
uma nova capela de São Gonçalo em 1781.

A presença dos índios Coxiponé fi cou refl etida nos traços dos moradores de São Gonçalo, nas rimas e músicas, na cerâmica, na pesca, no uso de plantas medicinais, na canoa feita de um tronco de árvore, na benzedeira, nas danças, dentre outros aspectos culturais que são mantidos até os dias atuais.
Em 1914, foi montada nas proximidades do povoado, na margem direita do rio Cuiabá, a Usina de São Gonçalo, com produção de açúcar e álcool, que foi responsável pelo crescimento do pequeno núcleo onde os lavradores plantavam canaviais, cujo produto vendiam aos usineiros para o consumo nos engenhos.
A decadência da produção açucareira de Mato Grosso na década de 1930, aliada à argila abundante
acumulada nas margens do rio Cuiabá e nas várzeas,
propiciou ao artesanato de cerâmica tornar-se o meio de vida de grande parte da comunidade. A cerâmica
é feita principalmente pelas mulheres. Os homens preparam o barro, ajudam a dar o acabamento, enfornam
e queimam as peças. As crianças fazem peças pequenas, que aprendem no convívio familiar.

As principais peças produzidas eram as moringas, potes, talhas, vasos e panelas. A partir da década de 1960, além da cerâmica utilitária, os artesãos passam a produzir peças ornamentais como fi guras de aves e
animais, damas, santos, presépios, banda de músicos, moringas-bonecas, talhas e vasos ornamentados.
Segundo a historiadora Therezinha Arruda, que realizou estudos na comunidade na década de 1970, “se as formas se modificam ou surgem outras em função de novos hábitos do consumidor, a tradição artesanal permanece intacta” (Arruda e Romancini, 1994:30).
Essas mudanças ocorreram face ao avanço da sociedade de consumo que infl uenciou os hábitos da população cuiabana. No fi nal da década de 1960, a comunidade foi incorporada à área urbana de Cuiabá, quando os técnicos da prefeitura promoveram a alteração de sua denominação de São Gonçalo Velho para bairro São Gonçalo Beira Rio. Neste período, diversas chácaras em torno de São Gonçalo foram loteadas, dando origem a novos bairros. Ressalta-se que a cidade de Cuiabá, no início da década de 1970, apresentava cerca de noventa mil habitantes. Em conseqüência da política de integração da Amazônia à economia nacional, empreendida pelos governos militares, Cuiabá recebeu intenso fl uxo migratório, que promoveu intensas mudanças sócio-espaciais, elevando sua população a aproximadamente quinhentos mil habitantes nos dias atuais.
Segundo Romancini (1994), no contexto dessas infl uências, a comunidade São Gonçalo Beira Rio destacou-se pela manutenção de suas atividades culturais como, por exemplo, a cerâmica artesanal e os instrumentos musicais: viola de cocho, tamborim ou mocho e o ganzá, que acompanham as danças do siriri, caracteriza o período da mineração em Mato Grosso e da infl uência paraguaia e boliviana nesta região (Diegues Júnior, Rosendahl e Corrêa, 2000).
Ao final da década de 1990, verifi ca-se uma preocupação, por parte do poder público e da sociedade civil, de revalorizar o patrimônio cultural construído em tempos passados, conforme análise realizada por Abreu (1998:7), “o passado é uma das dimensões mais importantes da singularidade. Materializado na paisagem, preservado em ‘instituições de memória’, ou ainda vivo na cultura e no cotidiano dos lugares(...)”.
O autor afirma que, na busca da “memória urbana” no Brasil, o passado está sendo revalorizado.
Como exemplo dessa preocupação, pode-se citar o tombamento municipal, em dezembro de 1992, que declarou o bairro de São Gonçalo área prioritária para o estímulo à produção e à comercialização da cerâmica artesanal, como uma das mais antigas e tradicionais manifestações culturais do município de Cuiabá, e a festa de São Gonçalo como manifestação popular de interesse para o patrimônio cultural do município de Cuiabá.

Um comentário:

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